23 de nov. de 2010

Doida.


Não sossegou enquanto não a fez louca.
Para então poder dizer:
– Doida.

22 de nov. de 2010

Descobertas

Às vezes confundo esquerda com direita, Conselheiro com Domingos, Ford com Chevrollet, Miró com Kandisnky e amor com qualquercoisa. Coincidências me atraem, me vidram. Incoerências me assustam. E, por vezes, me maltratam.
Essa vida é mesmo um segredo. Certa vez te perguntei se há mais beleza no mistério ou na descoberta. Penso num homem velho, uma vida cheia, uma vida e tanto. É impossível que as descobertas ultrapassem os mistérios. Podem ser muitas, muitas as descobertas, mas os mistérios serão sempre infinitos. Demorei muito pensando nisso. E eu prefiro as descobertas. "Mistérios sempre há de pintar por aí". As descobertas é que fazem a matéria da gente. Como se de alguma forma a gente fosse o que a gente descobre, por nós mesmos ou pelos outros, tanto faz. Aceito isso. Aceito essa minha preferência pelas descobertas e as quero, as desejo. Quero descobrir.

10 de nov. de 2010

Amor é paz?

Muitos me desejaram paz e amor em 75. Mas havendo amor haverá paz? Amor é o contrário radioso dela. É inquietação, agitação, vontade de absorver o objeto amado, temor de perdê-lo, sentimento de não merecê-lo, ânsia de dominá-lo, masoquismo de ser dominado por ele, dor de não o haver conhecido antes, dor de não ocupar o seu pensamento 24 horas por dia, e mais dias pedir ao dia para ocupá-lo, brasa de imaginá-lo menos preso a mim do que eu a ele, desespero de o não guardar no bolso, junto ao coração, ou fisicamente dentro deste, como sangue a circular eternamente e eternamente o mesmo. Amor é isso e mais alguma triste coisa, as serpentes, os ratos escarninhos, os imundos insetos do ciúme, que tanta miséria fazem cometer aos mais puros. E a tristeza incurável do tempo que não passa fora de nós, passa é dentro e na pele marcada da gente, lembrando que eternidade é ilusão de minutos, e o ato de amor deste momento já ficou mergulhado em ter sido. Amor é paz?
Mais prudente é fazer como Adalgisa Nery, que em seu cartão de boas-festas escreve só uma palavra: Paz. Já constitui voto bastante ambicioso, e eu lhe proporia emenda: Meia paz, ou um grama de paz.Amor se deseja ao próximo, mas será que ele está à espera de nossos amigos, ou de nós mesmos, em alguma loja de disponibilidades? O malandro não acode a acenos, é esquivo, farsista, ataca sem aviso prévio, não se submete a prazos e juras, voa sem deixar endereço. Não dá bola a cartões-postais. Ou a quem quer que seja. No máximo, deseje a seu amigo, ou amiga, que o reconheça quando ele passar. E tenha muito cuidado para não sofrer com ele acima e além de suas forças.
Cheguei ao ponto construtivo destas considerações. João Brandão, que às vezes é modelo de sabedoria relativa (a absoluta consiste em deixar a fantasia agir), contou-me que todo ano recebe um cartão nestes termos: "CALMA, RAPAZ." "E quem é que te manda este cartão?" perguntei-lhe. "Eu mesmo. Entro na fila, compro o selo, boto na caixa. Porque se eu não fizer isto, ninguém o fará por mim. Ao receber a mensagem, considero-a mandada por amigo vigilante e discreto, e faço fé na recomendação, que eu não saberia me impor, diante do espelho." Pausa e continuação: "Tem me ajudado muito. Você já reparou que ninguém deseja calma a ninguém, na época de desejar coisas? Deseja-se prosperidade, paz, amor, isso e aquilo ('tudo de bom pra você'), mas todos se esquecem de desejar calma para saborear esse tudo de bom, se por milagre ele acontecer, e principalmente o nada de bom, que às vezes, acontece em lugar dele. Como você está vendo, não chega a ser um voto que eu dirijo a mim próprio, pelo correio. É uma vacina."


Vacinemo-nos, amigos.

2 de nov. de 2010

bem-vida

panfleto dos sentimentos
permito todos os veículos
não me calarem por dentro.
qualquer emoção nova,
trazida pela mãe-nave,
seja bem-vinda.
ida de todos os olhares.
o vácuo de uma despedida.
petrificando navida
renova
ação dos meus ares.
o prazer de usar a linguagem é um dos prazeres humanos maiores.