29 de mai. de 2008

uma doçura de burrice

Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.


Clarice Lispector

sobre estar só

agora, a verdade:
cada dia
é uma eternidade.

18 de mai. de 2008

evapore

minha memória evapore

feito a água

de uma lágrima

minha lembrança se vá

sem deixar lembrança alguma

em seu devido lugar

se um dia eu esquecer

que você nunca me esquecerá

14 de mai. de 2008

silêncio

Quero saber se você vem comigo

a não andar e não falar,

quero saber se ao fim alcançaremos

a incomunicação; por fim

ir com alguém a ver o ar puro,

a luz listrada do mar de cada dia

ou um objeto terrestre

e não ter nada que trocarpor fim,

não introduzir mercadoriascomo o faziam os colonizadores

trocando baralhinhos por silêncio.

Pago eu aqui por teu silêncio.

De acordo, eu te dou o meu

eu te dou o meu

com uma condição: não nos compreender.

o prazer de usar a linguagem é um dos prazeres humanos maiores.