14 de dez. de 2012

Battle




sopro de vidro estilhaçado
olhos incendiados
a pele em pura febre

restos da sórdida batalha
contra o que não mata
mas profundamente fere

10 de nov. de 2012

Pudera




pudesse refazer a nossa história
colocaria o fim pelo meio
criaria um recomeço que não veio
descartaria de nossas memórias
todas as rimas entre amor e dor

26 de out. de 2012

Solidão




O tempo tudo cura. Ensinaram-me livros, canções e minha mãe. Uma verdade.
Depois de alguns meses de dor, veio a cura.
Dor não, agonia. Porque dor é quando machuca, fere, fura, pinça, rasga, corta.
Doeu no fim, pelo fim e para o fim. Mas depois não era dor, era agonia. Agonia doida, violenta, insone. Taquicardia e vícios mentais. Aflição sem fim.
O recomeço não dói, aflige.
Até que, quando você vê, já é maio, outra estação, quase um ano se passou. Você aprendeu a ser só. E, sorrindo, dá boas vindas à solidão. 

5 de set. de 2012

Eufemismo


Foi uma, foram duas, foram três. A quarta foi ela. Depois, outras cinco, dez... Deve ter chegado a cem. Enfim. Ela não foi a primeira, nem seria a última. Sabia disso. Mas também sabia que seria, de algum modo, parte dele. Parte de uma parte já repartida em tantas outras partes. Qual seria a relevância? Cada uma teria a sua. Quase irrisória. Apesar disso, ele se deu pra ela, de verdade e por inteiro (o que disse várias vezes, pela própria boca). E ela deu-se, também, por inteiro, para restar somente uma parte. Suprassumo do desconexo. A desmatemática das relações humanas.  Foi em uma tarde no rio - úmida, porém repleta de fogo. Fogo e água juntos. E muito suor. Beijos na boca, no corpo todo. Língua no corte, na cicatriz. Estancando o sangue e fazendo jorrar o amor.    

28 de ago. de 2012

Yellow Tree


Porque chovia intensamente e estava tudo gris, monocromático, a árvore de flores amarelas sobressaía na paisagem, como se estivesse acesa. Não seria o contrário e o sol que ressaltava as cores? Mas a árvore amarela  destacava-se no dia cinza. Destacava tanto que parecia até que embaixo dela ensolarava. Quis chegar mais perto. Talvez fosse verdade que de suas pétalas eram lançados raios de sol. Alcançou sua sombra iluminada - sol não fazia,  mas tinha algo de mágico no ar que a circundava. Algum encanto capaz de arrepiar a pele e encher a alma de alegria.


22 de ago. de 2012

Sede



"Talvez fosse melhor não matar a sede, ou não lhe restaria mais desejo algum", pensou. Descartou imediatamente tal ideia, por achá-la meio amalucada. Bebeu tudo o que pôde, até saciar-se por completo. Depois se arrependeu. Havia pensado certo. Era melhor ter mantido na boca seca a vontade da água. Estava agora vazia de tudo, cheia de nada. Toda insaciada.




15 de ago. de 2012

02:25 pm

Sentou-se no banco mais sombreado da praça que ficava no caminho para o local do encontro marcado. O que iria fazer era muito importante. Precisava pensar.
Pensou, pensou. Imaginou cada detalhe do ato iminente. Ensaiou e reensaiou, em sua mente, cada gesto e cada palavra da próxima atitude. 
Em vão. Quando aconteceu, deu-se tudo diferente. Contraditórios atos-pensamentos.
Desde esse dia, ela primeiro age pra depois pensar.   



9 de ago. de 2012

Parênteses




Para Clarice, as sexta-feiras tem três pontinhos, os sábados exclamações e os domingos parênteses, nos quais sempre encaixa João. Sempre e ainda João. Não consegue evitar. E todo domingo ela se perde nas lembranças. Nesse último, lembrou que certa vez João havia lhe dito que os sonhos existiam pra que mesmo dormindo as pessoas pudessem ficar juntas. Isso fazia muito sentido quando o tempo que passavam lado a lado e acordados não era suficiente para matar a vontade de estarem juntos, usufruindo da companhia um do outro. Hoje Clarice já nem sonha. E quando sonha é só tormento. Desejos que afligem. Perde-se no tempo e já nem lembra mais quando foi exatamente que João deixou de ser seu pensamento preferido.

5 de ago. de 2012

perigo

você zabaneiro
eu imaculada
estava na cara
a grande enrascada 



16 de jul. de 2012

sem dilema


na vida
melhor que viver
é tornar-se poema

ser posto em palavras
ser traduzido nas letras
por alguém que
- muito provável -
não te tira da cabeça

isso sim vale a pena

entre ósculos
e amplexos
de mim nasceram estes versos
- teu primeiro poema
(não o tema)



3 de jul. de 2012

Chá de Charada




hoje provei do passado
como quem pega 
fruta do pé
cheira, morde, mastiga e come

hoje visitei uma saudade
como quem regressa 
à morada antiga
e vê despertar memórias adormecidas 

lembranças que chegam pelos olhos
- quadros, escada, cortinas, azulejos -
e prolongam-se no gosto, tato e cheiro

hoje descobri um segredo
e outro criei.
que fique só entre nós três:
eu, você e este poema.


21 de jun. de 2012

pra menina dos olhos coloridos



Ela tinha 22 anos quando a conheci. Morava no 22º andar, a 2 ruas da minha casa. Usávamos, coincidentemente, perfume e desodorante iguais e tínhamos a mesma facilidade pra sorrir. Dormir era pros fracos. Era mesmo. Hoje trocamos, com facilidade, uma sexta enluarada e de brisa morna por uma bela noite de sono. 
Quem não acredita em destino que tente me convencer do contrário (e, certamente, não vai ter sucesso), mas, assim que a conheci, percebi que ela tinha vindo pra ficar. Não por acaso. De propósito. Projeto do divino, ou dessa coisa maior na qual eu teimo em acreditar, me contradizendo, por vezes perdidas, quando me perco. E foi justamente em um momento desses de perdição que me caiu a ficha do quão propositalmente ela me apareceu. Apareceu e foi ficando, aqui tão perto e sempre tão presente. Acertei em cheio. 
Uma vez ouvi alguém dizer que é quase impossível fazer amigos verdadeiros depois dos 20 anos. O que é verdade. Mas acontecemos, e não foi difícil. Pelo contrário, nos tornamos amigas de um modo rápido, fácil e simples. O quase nos salvou. Exceção somos. E o tamanho da nossa amizade é diretamente proporcional à raridade dela. Somos raras, assim como é raro ter um olho de cada cor. 

15 de jun. de 2012

Sinais


Ele tinha estrelas na face. Evidentes, mas que - engraçado - só enxerguei quando a nossa proximidade era bastante para um beijo. Também três marias, as mesmas, tal como em meu peito. Ângulos, distâncias e curvatura iguais. Mudavam os lados. As dele, na face direita. As minhas, no peito esquerdo. Também mudavam as direções: eu horizontal, ele vertical. Não sei qual qual a dimensão disso tudo (ah! as coincidências...), só sei que fiquei com uma vontade enorme de, juntando os pontos, encostar o ouvido dele no meu coração.  

12 de jun. de 2012

Grilos

É madrugada. Escuto o ronco de um carro velho passando na avenida. Será você?
O ronco se mistura com o barulho dos grilos. Ou serão cigarras? Nunca soube distinguir. Era você quem me dizia. E me perco.
Percebo, então, que nunca escutara grilos (ou cigarras) no meu quarto, mas no seu. Um seu que já foi tão nosso. Reticências. Grilos por aqui é algo realmente suspeito. Devo estar ouvindo coisas. Sonhando sons. Ou talvez só esteja querendo imenso que você apareça. 



5 de jun. de 2012

lida em hilda

"De luas, desatino e aguaceiro
Todas as noites que não foram tuas.
Amigos e meninos de ternura
Intocado meu rosto-pensamento
Intocado meu corpo e tão mais triste
Sempre à procura do teu corpo exato.
Livra-me de ti. Que eu reconstrua
Meus pequenos amores. A ciência
De me deixar amar
Sem amargura. E que me dêem
Enorme incoerência
De desamar, amando. E te lembrando
- Fazedor de desgosto -
Que eu te esqueça."


hilda hilst

25 de mai. de 2012

parece mas não é

___minhas toesas
em tuas hastes
___uma noite
_é pouco
para nossa arte

18 de mai. de 2012

cheiro de mato nos dedos


rabisco
num trevo de quatro folhas
com a unha do indicador.
não penso em nada
e esquecer é a solução.
de quebra
torturo a sorte
com minhas próprias mãos

até ouvir um sim










22 de abr. de 2012

flames



amor fosse chama
quem dera um sopro
e eu te apagasse
ou uma brisa
por aqui passasse
e nada mais
a gente fosse





11 de abr. de 2012

relapse







sexo
maldito jogo
quanto mais amor
menos consolo



4 de abr. de 2012

vaga-lumes











Na infinitude de cada fresta,
na amplidão de cada vasto campo,
meus olhos em alerta
buscam ver-te, cintilante.
És pequeno como um grão
e tão livre quanto o vento.
Pintas estrelas no chão,
me revelas o firmamento.
Desde de tempos bem distantes
te procuro incessante.
Pequenino zonzeante,
tua natureza é poética.

2 de abr. de 2012

jaz


Não piso mais
no Chão de Estrelas.
Caminho que me levava
à nossa Fábrica.
Não sentirei mais o cheiro do teu corpo,
nem o gosto do teu sopro morno.
Desfarei cada traço do nosso laço,
cada pedaço do nosso ninho.
Desaprenderei, uma por uma,
as nossas lembranças.


29 de mar. de 2012

comet


um mero esmero momentâneo
que tão logo se dissipa
que tão cedo se disfarça
cometa viajante
esparsos dias felizes
remotas diretrizes

eu já não sou quem era antes.

21 de mar. de 2012

2


Deito e fito. O céu embaçado. Todas as noites. Percebo a mudança das fases da lua milimetricamente. O desligamento das estrelas (o céu não é mais o mesmo de 2004). Acompanho o volume crescente das folhas na janela. Todas as noites são intermináveis. Uma vez te falei sobre não contar o tempo enquanto nossa vida durasse. Dito e feito. Passei a contar os dias sem te ter.

19 de fev. de 2012

estetoscópio



arritmia
sofro por te perder
de sopro no coração.
nunca mais uma emoção.












o prazer de usar a linguagem é um dos prazeres humanos maiores.